Couves com feijões (Couvada para os íntimos)
Meter ao barulho de qualquer conversa um “couves com feijões” é falar de “dildos no cú”, tem um efeito devastador no imaginário de muitos portugueses, suspende o gozo todo, dispara os airbags.
As couves e os feijões são a símbolo do modelo educativo dos últimas décadas em Portugal, qualquer designer utilizaria couves e feijões ao criar o logótipo para a pedagogia familiar portuguesa.
As famílias promoviam a dicotomia “isto é o que tu gostas e é bem bom” vs ”isto é o que te faz bem mas é um biscate para comer”. As couves e os feijões apareciam sempre deste lado do versus, mal tratados, pobres em sabores, para credibilizar a ideia de que fazia mesmo bem, efeitos da moral católica, o bem e o prazer não se devem encontrar. Milhões de portuguesinhos foram seviciados nos seus lares com estes tratamentos à mesa e, inevitavelmente, desenvolveram profundos traumas com a comida. Muitos são hoje uns pervertidos, incapazes de ter uma relação saudável com a gastronomia tradicional, com mais danos emocionais acumulados do que se tivessem passado pela guerra colonial: horror a sopas, medo de couves e feijões, suores com favas, tremuras com gorduras (um bom nome para restaurante de carne) e a acumular relações de submissão com comida italiana e pratos beldades de instagram.
O povo é filho da mãe, refiro-me ao povo, ao povo mesmo povo e não ao povo dos políticos, os eleitores. O povo que me interessa é constituído por gente manhosa e arisca que tem de se desemerdar perante os grandes desafios que a vida lhes coloca. Se só há pão velho, não chamam a CMTV, nem vão pressionar a assistente social, nem fazem greve, inventam a açorda. Ora foi este povo que percebeu que a couve-galega, endurecida pelo frio, misturada com feijão amarelo, não tinha de ser um frete. Se tem de se comer, que pelo menos saiba bem, muito bem, e vai daí juntaram-lhe azeite, vinagre e alho e criaram uma iguaria viciante.
As couves com feijões são servidas a partir do Outono (é aproveitar enquanto há Outono) intensifica-se pelo Inverno adentro e são acompanhadas adivinhem lá com que carne. O povo não é parvo e nunca lhe passaria pela cabeça servir uma iguaria assim como complemento saudável de um assado ou de um peixe grelhado. O porco, que nesta estação das facas longas estava a guinchar um pouco por todo lado, ofereceu o melhor acompanhamento, os ossos de assuã, costelas e entremeadas.
Chegados aqui, e a darem-me algum benefício da dúvida, estão a pensar “catano, se é assim tão bom, vou já ali ao Continente arranjar material, cozo tudo e vamos ver se eu é que andei enganado estes anos todos”. Pois bem, se o fizerdes, tereis a confirmação de que a vossa formação superior para nabos foi um estrondoso sucesso.
O segredo da comida tradicional está na qualidade dos produtos, na sua produção exposta aos elementos naturais e isso não se encontra nos hipermercados.
Estão à espera de uma recomendação, só posso dar uma: restaurante Adelaide, em Vieira do Minho. Foi aqui que fiz a minha iniciação a este prato e foi tão excepcional que ainda não me atrevi a experimentar noutro sítio.
No restaurante Adelaide há sabedoria, sensibilidade e duas mãos especiais para assados, estufados, para os pratos típicos da região.
Por isso, em boa verdade vos digo: ide e comei, mas marcai primeiro. Couves com feijões não é iguaria que se sujeite a pré-confecção, não se dá bem em frigoríficos e não tem a vulgaridade de prato do dia. É acompanhante de luxo, raramente tem disponibilidade e é só para alguns clientes.