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Chispes e Couratos

Neste espaço não se discriminam gostos, fetiches, taras, manias, desvarios ou inclinações gastronómicas. Só não toleramos seguidores fanáticos do tripadvisor.

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24
Jul09

Comer fora sozinho

Paulo

Se há coisa que não dá gosto fazer sozinho é ir comer a um restaurante. Não me refiro aos vulgares almoços de semana - porque não tem muita importância a companhia, já que se trata normalmente de uma refeição rápida e em restaurantes de diárias ou de fast-food - mas ao acto de ir a um restaurante à noite ou ao fim-de-semana. Neste caso, é algo que quem não tem parceira(o) simplesmente não faz, porque é frustrante e até constrangedor. As coisas começam mal logo à entrada no restaurante, quando o empregado nos faz a pergunta com ar contristado: “Sozinho?”. Isto depois de ter feito antes um compasso de espera para ver se entra mais alguém enquanto pensa “talvez esteja a estacionar o carro ou a acabar um telefonema ou o cigarro, não é normal alguém entrar sozinho”. Se há momento em que surge silêncio no restaurante, em que os talheres deixam de bater nos pratos e as pessoas fazem uma pausa nas conversas, é quando é feita essa pergunta. E depois, parece que tudo fica em suspenso, à espera da nossa resposta, como se as pessoas não pudessem continuar com os seus bifes e as suas opiniões sem saber primeiro se vamos responder “sim”. Diz-nos a experiência que não se deve mentir, dizendo que mais tarde vai chegar a nossa companhia, é sempre pior, toda a gente vai passar a refeição a olhar para nós e a pensar “coitado, ainda não se capacitou que é um encalhado” ou “desgraçado, deram-lhe com os pés!”. Para quem tenha ainda dúvidas da nossa situação, surge depois aquele triste ritual de retirarem os outros pratos e talheres da nossa mesa, acabando com qualquer ilusão que possamos ter e remetendo-nos para a nossa condição evidente de solitários.
Depois, vem a questão da escolha dos pratos. Além de nem todos os itens do menu terem meia dose, muitas vezes ainda nos atiram à cara que tal prato só é servido para um mínimo de duas pessoas! Nessa altura, só a fome ou a enorme vontade de comer algo em concreto nos impede de abandonar imediatamente o restaurante. Acresce ainda o facto de uma meia dose nunca custar metade de uma dose. Se algo custa por inteiro, p.ex., 10 euros, a meia dose custará sempre pelo menos 7! Então, se vamos comer metade da comida não deveríamos pagar também só metade do preço? O mesmo se passa com o vinho. A minha opinião é que nos cobram mais, a nós solitários, porque lhes estamos a estragar o negócio, afinal de contas estamos a ocupar-lhes sozinhos uma mesa inteira, que deveria estar a ser utilizada por duas a quatro pessoas.
E pedir vinho para acompanhar a refeição? Bem, toda a gente olha para quem está a comer sozinho e a beber vinho como se fosse um borrachão, como se devesse haver uma regra “Se está sozinho, não beba!”, caso contrário só pode ser um bebedolas, ninguém bebe sozinho vinho em público! E mesmo quando dizemos com os olhos às pessoas das mesas em redor “é apenas uma garrafa de 37,5 cl., são só dois copinhos…”, respondem-nos com aquele olhar de que toda a gente sabe que essas garrafas são para ser bebidas por duas pessoas como complemento das grandes na fase do “só bebia mais um copinho, mandamos vir uma garrafa das pequenas?”.
Outro pormenor delicado é que se o restaurante não tiver televisão a pessoa sozinha está sempre sem jeito. Ou passamos a refeição toda a olhar para o prato, como se estivéssemos à procura de algo que era suposto lá estar; ou examinamos durante todo o tempo cada pormenor do interior do restaurante como se fossemos inspectores de decoração de interiores; ou então somos apanhados a olhar para as outras pessoas, que acham sempre que estamos a ouvir as suas conversas (o que é verdade, claro, o que haveríamos de estar a fazer se não temos com quem conversar ou televisão para ver?). Toda esta situação é levada ao extremo se o local tiver aquele ambiente mais tranquilo e até meio romântico, com uma musiquinha agradável e luzes suaves.
Finalmente, e falo por mim, também há o receio de comer tudo, ou seja, de rapar a travessa e/ou o prato. Porque quando se está com mais alguém não se sabe quem comeu mais ou é considerado normal que se limpe tudo, mas sozinhos somos sempre considerados comilões e se não estamos com alguém é porque, certamente, se fartaram que nós lhes comêssemos a sua parte.

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