Posta à Miranda - o homem do Barroso em Braga
Confesso que nunca vi o cardápio do Miranda, limitamo-nos a perguntar: o que é que o chefe recomenda? E tudo pode acontecer, ou vai ser posta ou picanha ou costoleta. É como ir a uma casa de meninas (imagino eu), sabe-se sempre o que vamos consumir, não há dúvidas de última hora: hoje não temos meninas, mas chegaram ontem dois rapagões muito jeitosos. Olhe, se calhar vão-me cair mal, mas mande-os vir.
Não senhor, no Miranda não há surpresas. Para nós, é sempre vitela.
Uma questão nacional que o Miranda parece ter resolvido de forma pacífica tem a ver com a métrica. Todo os portugueses se sentem perdidos na actual confusão das unidades de medida gastronómicas: dose, ½ dose, posta, prato, pires, travessa, etc. O problema reside nas conversões e nos dois sistemas universais de medida: o do Norte e o do Sul. Em alguns restaurantes 1 dose = 2 pratos e noutros 1 prato = 1 dose, complicando as contas da ½ dose, que tanto pode ser convertida em 1 prato, 1 pires ou 1 travessa. Quer dizer, podíamos chegar ao rídiculo de 1 dose = 2 pires e 1 travessa= ½ dose. E se quisermos converter posta para dose e posteriormente para prato ou travessa? Podíamos falar de 1 posta = 1 dose = 1,3 pires = ¼ de travessa ou 1 travessa = 1 prato = 2 postas. Incompreensível.
No Miranda ficamos, finalmente, a saber o que é uma posta. Posta corresponde ao diâmetro da circunferência do prato padrão da casa (D = 2 * r). Claro como a água. Uma posta é um prato, uma travessa são três postas sobrepostas em um terço do seu diâmetro e quatro postas correspondem a uma travessa mais a metade do diâmetro da posta sobreposta sobre as outras três postas. Aconselho as entidades responsáveis pelo sector a visitarem o Miranda para uniformizarem de uma vez por todas as unidades de medida gastronómicas. Ou então, os outros restaurantes deverão começar a anunciar: Posta (dimensão imprevisível, por vezes ridícula) ou Posta à Miranda (dimensão acima descrita).
O espaço é agradável, com um interior bastante alto que o Miranda aproveitou para criar um primeiro andar, em estilo de varanda, onde nos podemos debruçar sobre todo o restaurante. Esta solução é estratégica, porque se levantarmos no ar a caneca, a travessa das batatas ou o cesto do pão, acompanhado dos sons “Oh Miranda” ou “Tão”, ele sabe de imediato o que está a faltar.
Não raras vezes, o Miranda recebe-nos a dizer “caralho, hoje não quero ninguém lá em cima que não estou para andar a subir e a descer escadas”.
Neste ponto, quero lembrar que urge tornar nacional o debate sobre o impacto das crescentes restrições às caralhadas nos restaurantes portugueses. Em breve apenas se poderá ouvir uma caralhada nos restaurantes com mais de 100 metros quadrados, com salas separadas, devidamente insonorizadas e com sinalética adequada. Se nada for feito, todo o pessoal que gosta de dizer e ouvir uma boa caralhada vai ter de se levantar e vir até à porta.
E o resto? Há uma travessa de arroz, bem moreno, uma de salada e várias de batatas. O vinho é do Douro, agora melhorou bastante com 10 mil garrafas acabadinhas de chegar de S. João da Pesqueira. Há que ter em conta que já lá fomos duas vezes, por isso, 10 mil é já apenas o número arredondado. O vinho traz um certo sabor a carvalho, que muitos portugueses acusam de “saber a velho”. A gastronomia tem destas coisas: carnes jovens, tenrinhas e suculentas pedem um vinho maduro, encorpado e já com uma idadesita. Cá está, não há valores universais.