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Chispes e Couratos

Neste espaço não se discriminam gostos, fetiches, taras, manias, desvarios ou inclinações gastronómicas. Só não toleramos seguidores fanáticos do tripadvisor.

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16
Jan15

Tasquinha do Fumo

JP

Ora cá está uma casa onde se optou por afofar a designação do espaço com um diminuitivo, elevando-se de bitch das casas de repasto que é a “tasca”, à menina doce e formosa do mundo da restauração.
Tasquinha é um espaço que mais do que agradável, é querido, aconchegante e gostoso. Meiguinho, pode-se dizer. Este apaneleiramento da designação do local é intrigante, porque lá dentro deparamo-nos com uma ocupação a 100% de homens. É concebível que a mesa liberte uma necessidade masculina de conforto e meiguices, até porque em ambientes de tasca é frequente os homens abusarem dos diminutivos: tasquinha, moelinhas, cabritinho, copinho, garrafinha e até um arrozinho.

tasquinha-do-fumo.jpg

Mas se tasca parece tornar os homens mais sensíveis e emotivos, ela é também um dos últimos redutos onde os homens se podem assumir tão fúteis e destituídos de racionabilidade quando possível. As tascas são as últimas trincheiras do pensamento livre e incoerente, onde tudo pode ser dito, inclusive o seu contrário.
Não há mercado tão volátil e especulativo como a tasca. Na tasca assistimos à total desvalorização da palavra, investe-se numa ideia e vêmo-la logo de seguida a cair para mínimos históricos.
Ninguém ganha um debate numa tasca, mas continua-se a investir. Discute-se futebol, política, sexo, guerras, economia mas todos sabem que não haverá consequências para o mundo. De uma tasca não saem revoluções, tendências, conclusões, ideias para livros, orientações, correntes, definições, conteúdos programáticos.
Se foi importante para a evolução da humanidade que os nossos antepassados tivessem descido das árvores, também foi decisivo o momento em que os homens saem das tascas. O que seria de nós se os grandes filósofos gregos passassem as tardes no tasco? Dos diálogos de Platão talvez sobrassem hoje três ou quatro guardanapos com bitaites.
Mas teria sido muito positivo que outros nunca de lá tivessem saído. Se o Hitler e os seus comparsas frequentassem a tasca a falar de judeus entre iscas, pernis e garrafas, ou o salazar a gritar “orgulhosamente sós” com uma tigelinha na mão, o mundo seria muito mais feliz.

Foi orientados por uma aliteração que quatro homens se sentaram à mesa na Tasquinha do Fumo, em Baião: comer, beber e debater.
Na sala parecia ter havido uma fuga de testosterona, era o local no nosso país com menos vaginas por metro quadrado. Se houvesse um cataclismo global e apenas sobrevivessem as pessoas que estavam na tasquinha do fumo, o fim da humanidade haveria de ser demorado e irónico. As mesas  longas e corridas estavam ocupadas integralmente por homens, o que não deixa de ser um ambiente confortável quando se procura enfardar cabrito, enchidos, pão, azeitonas e esvaziar várias garrafas de vinho.
Optamos sem discussões pelo vinho tinto e mais tarde pelo branco, que nos agradaram do início ao fim.
O constrangimento: descobrir a meio da refeição que não estávamos a comer cabrito, mas sim anho. Temos a desculpa de estarmos concentrados nos debates e de já irmos na terceira garrafa quando o animal chegou à mesa. Mas não seria muito mais embaraçoso se um médico estagiário fizesse uma colonoscopia à procura de pedras nos rins.
O anho não vem imerso em molho, parece vir enxuto, mas na prova libertam-se os sucos do tempero. A carne estava deliciosa: macia, suculenta e aromatizada.  Repetimos a travessa, sem esquecer a dose de batatas, que de tão boas distraem-nos do anho.
Para sobremesa, experimentámos leite creme e pão de ló com queijo.
Foram uns justos 20 € por pessoa.


Ser português devia ser considerado um tipo de esquizofrenia. Definição: transtorno mental em que a pessoa vive obcecada pelo revestimento do mundo onde vive a alcatrão e betão, mas continua a acreditar em contos de fadas no meio da floresta. Neste tipo de esquizofrenia, reveste-se tudo, inclusive o revestimento, mas a pessoa revela fantasias com restaurantes mágicos perdidos nos montes e longos caminhos em terra batida que o levam até pessoas típicas, simpáticas e felizes para lhe servir a comidinha do mundo maravilhoso da avó. O tratamento merecido indicado é apanhá-lo no fim de um desses caminhos em terra batida e obrigá-lo a comer batatas fritas requentadas, com arroz pastoso e fêveras de porco encharcadas em óleo.
A Tasquinha do Fumo vem dificultar o tratamento desta patologia, alimentando ainda mais a fantasia dos portugueses com boa comida escondida nos nossos vales e montes.

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